A ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA ÉPOCA AUGUSTANA

Prof.ª Doutoranda Ana Lucia Santos Coelho *

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A sociedade imperial dos dois primeiros séculos encontrava-se dividida em dois grupos principais, de dimensões diferentes: no topo, estavam as camadas superiores, denominadas honestiores; na base, as inferiores, conhecidas como humiliores. As primeiras eram constituídas pelos membros da ordem senatorial, pelos equestres e também pelos decuriões, não excedendo talvez 1% da população total do Império. Já o grupo dos humiliores era formado por cidadãos pobres, libertos e escravos, dispersos entre as massas populacionais das cidades e dos campos (ALFÖLDY, 1989, p. 161-162).

No que concerne, então, especificamente aos senadores, é válido mencionar que as guerras civis ocorridas durante o governo de Júlio César proporcionaram a muitos homens uma ascensão social indevida ao ordo senatorius. Porém, quando as guerras terminaram e Augusto assumiu o governo, foi realizada uma reforma no interior do Senado, visando à restauração de sua hierarquia. Dessa forma, em 28 a.C. o imperador reduziu o número dos senadores de novecentos para seiscentos, diminuiu a idade para ingresso no Conselho de 30 para 25 anos e estabeleceu o censo mínimo de um milhão de sestércios para a admissão à ordem.

A situação do ordo equester era bastante parecida com a dos senadores. Os equestres também deveriam possuir uma fortuna mínima para a entrada na ordem: 400 mil sestércios. Os cargos mais importantes no interior do ordo equester eram destinados àqueles que possuíssem riqueza suficiente e linhagem aristocrática. A esses indivíduos reservavam-se os cargos de prefeito do pretório, prefeito do Egito ou assessor direto do soberano.

Assim como senadores e equestres, os decuriões também deveriam possuir um patamar mínimo de riqueza. O ingresso nesse ordo, porém, pode ser considerado mais fluido, uma vez que dele poderiam fazer parte filhos de libertos. Os decuriões eram responsáveis ​​pela administração de suas cidades, cabendo-lhes a construção e a conservação dos edifícios públicos, o abastecimento de víveres e a arrecadação dos impostos para o tesouro imperial.

As três ordens da elite, embora fossem as mais prestigiadas, compunham apenas uma diminuta fração dos habitantes do Império. O restante da população formava uma massa com condições sociais e econômicas bastante heterogêneas, existindo de um lado, os libertos, e de outro lado, na base da pirâmide social, os escravos. Os primeiros dividiam-se em dois amplos grupos: plebs urbana e plebs rustica (PARKIN; POMEROY, 2007, p. 4).

A plebs urbana gozava de uma posição social um pouco melhor diante da população rural, tendo em vista que nas cidades existiam possibilidades de ganhos maiores e mais margem para acesso à vida pública. Havia libertos, inclusive, que se tornaram tão ricos que chegaram a ganhar as insígnias do cargo de decurião (ornamenta decurionalia).

A plebs rustica, por sua vez, tinha condições de vida mais difíceis. As oportunidades de ascensão social praticamente não existiam e o trabalho limitava-se, geralmente, ao cultivo agrícola. Nas pequenas e médias propriedades, homens livres poderiam organizar-se de acordo com o sistema do colonato.

O último grupo das camadas inferiores da sociedade romana era o dos escravos. Segundo o direito romano, os escravos eram considerados res mobilis (bens móveis), uma espécie de “propriedade falante”, sem personalidade jurídica. Tamanhos poder e autoridade exprimiam-se em práticas de tortura, abuso sexual, exploração econômica e falta de liberdade de movimentos. Alguns escravos, porém, conseguiam alcançar melhores condições de vida do que outros. Os que viviam nas cidades, por exemplo, tinham a possibilidade de adquirir um pequeno negócio – como uma oficina –, trabalhar nas oficinas de comerciantes ricos ou trabalhar como serviçais domésticos nas grandes casas aristocratas. Os escravos que viviam no campo, ao seu turno, eram amiúde empregados no cultivo agrícola. Trabalhavam, muitas vezes, lado a lado com o senhor e demais dependentes e podiam inclusive formar família (ALFÖLDY, 1989, p. 157).

Não podemos deixar de mencionar o fato de os escravos poderem não só ser libertados, mas também aguardar a manumissio a partir de uma certa idade. A alforria era a maneira pela qual o escravo de um cidadão se tornava também um cidadão e isso representava uma conquista muito importante (JOLY, 2005, p. 45). Contudo, os escravos da cidade sabiam que os benefícios concedidos pelo seu senhor não os tornariam iguais aos nascidos livres das camadas superiores da sociedade.

Bibliografia

ALFÖLDY, G. História social de Roma. Lisboa: Editorial Presença, 1989.

JOLY, F. D. A escravidão na Roma Antiga: política, economia e cultura. São Paulo: Alameda, 2005.

PARKIN, T. G.; POMEROY, A. J. Roman Social History: a sourcebook. London: Routledge, 2007.

    

Ana Lucia Santos Coelho - Lattes

Doutoranda em História pela UFOP

Pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre o Império Romano (LEIR/UFOP)