Paisagem, alteridade e heterotopia nas Histórias de Heródoto: o olhar grego sobre o território dos líbios (séc. V a.C)

 

Gabriela Contão Carvalho *

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Resumo: Temos por objetivo analisar a obra História, de Heródoto, autor grego ativo em meados do século V a.C., a fim de compreender a importância do espaço na construção de fronteiras culturais entre os “bárbaros” e os helenos.  Para tanto, empregamos os conceitos de espaço, território, heterotopia e fronteira a fim de analisar a representação que faz Heródoto do território ocupado pelo “outro”, pelo “bárbaro” líbio, convertendo-o numa heterotopia, num espaço degradado e repleto de vícios.  Desse modo, trataremos das diferenças entre os costumes dos líbios e os costumes gregos, não somente como um mero estranhamento acerca de práticas culturais distintas, mas também como um estranhamento geográfico, uma vez que os lugares e territórios provocavam, segundo Heródoto, medo e repulsa.  Trata-se de ver como os gregos da época clássica representam para si os “outros”, os “bárbaros”.

Palavras-chave: Grécia Clássica. Heródoto. Líbia.

Introdução


Heródoto é considerado o autor da primeira obra em prosa da literatura grega preservada até os nossos dias, tendo nascido em Halicarnasso, cidade próxima a Mileto, no litoral da Ásia Menor, nas primeiras décadas do século V a.C. Em sua época, Halicarnasso era um centro florescente da cultura helênica. O momento em que Heródoto empreendeu sua investigação foi um momento de grandes transformações das ideias e da mentalidade helênica, pois foi na primeira metade do século V a.C. que Atenas se tornou hegemônica na Hélade.

Em relação à obra, História, não sabemos exatamente quando foi escrita, mas apenas que, em 445 a.C., Heródoto se encontrava em Atenas, onde teria lido em público sua obra ou parte dela (KURY, 1985, p. 7).  O objetivo principal de Heródoto, em História, é descrever a guerra entre o Império Persa e a Hélade ou, segundo as categorias empregadas pelo autor, entre o despotismo oriental baseado na vontade onipotente dos tiranos e na sujeição cega dos povos dominados e o governo fundado na obediência às leis e na livre determinação dos povos do Ocidente.  Porém, “Heródoto não apenas descreve a guerra entre os helenos e persas, sua narrativa espelha seu interesse pelos costumes dos povos, pela sua geografia, pelas suas práticas religiosas, por tudo que compõe e forma um povo” (SILVA, 2015 p. 45). A denominação “Guerras Médicas” dada a esse conflito entre os gregos e persas provém do nome dos medas, que dominaram os persas na época dos primeiros contatos entre esses povos e as populações helênicas.


Alteridade e heterotopia: a representação negativa do território dos líbios como um espaço degradado

Destacamos que os costumes dos líbios estavam diretamente ligados ao espaço por eles habitado, como mostra Heródoto na seguinte passagem, na qual diferencia o território dos líbios sedentários do território dos líbios nômades:
Seu território e o resto da Líbia na direção do poente são muito mais ricos em animais e mais arborizados que o território dos nômades; a parte oriental da Líbia, habitada pelos nômades, é baixa e arenosa até o rio Tríton enquanto a partir desse rio o lado ocidental -o dos lavradores- é muito montanhoso, arborizado e cheio de animais selvagens" (Hist., IV, 191).

Desse modo, a narrativa de Heródoto sobre o território e os costumes dos líbios se diferencia tanto ao abordar os nômades como os sedentários e, assim, fica evidente que os costumes dessas comunidades estão diretamente ligados ao espaço que habitam. Quando o autor relata a maneira como os líbios tratam seus filhos, relaciona isso com o fato de serem nômades.  É como se os líbios nômades tratassem os filhos de determinada maneira por serem nômades e os líbios sedentários tratavam os filhos de modo diferente exatamente pelo fato de serem sedentário. Assim Heródoto salienta que os líbios sedentários "não têm os mesmos costumes e não tratam os seus filhos como os nômades costumam tratar" (Hist., IV, 181). Logo, notamos a importância do espaço na constituição da identidade coletiva de uma comunidade.  Para Navarro (2007, p. 4) a relação do ser humano com o espaço deriva de uma necessidade de estabelecer relações vitais com o meio que o rodeia para dar sentido e ordem ao mundo.

Bibliografia

HERÔDOTOS. História. Tradução do grego, introdução e notas de Mário da Gama Kury. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1985.


LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.


NAVARRO, A.G. Sobre el concepto de espacio. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, v. 17, p. 3-21, 2007.

                                                                                             Gabriela Contão Carvalho - Lattes

Graduanda em História pela Universidade Federal do Espírito Santo

Integrante do Laboratório de Estudos sobre o Império Romano (LEIR/ES)