Por que deveríamos parar de estudar ‘Arte Islâmica’ e ‘Orientalismo’?

Alexsander Cândido Britto*

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Resumo: Este artigo visa apresentar e discutir brevemente, as dificuldades em estudar a produção artística e cultural oriental não-europeia, tendo em mente a crise dos conceitos de ‘arte islâmica’, ‘orientalismo’ e ‘islã’.


Palavras-Chave: Arte Islâmica. História da Arte. Orientalismo.

 

Após a publicação de Orientalismo (1978), de Edward Said (1935 – 2003), a noção de oriente foi posta em crise: “[…] o que dava ao mundo oriental a sua inteligibilidade e identidade não era o resultado de seus próprios esforços, mas era, antes, toda a complexa série de manipulações cultas pelas quais o Oriente era identificado pelo Ocidente” (SAID, 1990:50). Arnold Hottinger (1926), em Die Länder des Islam: Geschichte, Traditionen und der Einbruch der Moderne(2008) afirma que o “islã” não existe.“E que é impossível falar sobre o mundo oriental reduzindo-o a uma única expressão globalizada” (SHALEM, 2012:1). Se para Said, o oriente não passa de uma invenção do ocidente, assim como para Hottinger, a expressão “islamismo” refere-se a algo inexistente, qual expressão devemos adotar?

Além disso, a expressão “arte islâmica” é problemática pelos seguintes aspectos: Primeiro, apresenta a cultura material de povos variados a partir de uma perspectiva religiosa, e não como um fenômeno cultural. O islã, como fenômeno religioso, surge no século VI (E.C.), portanto, é como se a prática artística surgisse a partir de 1600 com o Profeta Maomé (c. 571 – 632). Onde colocamos – na linha do tempo – tudo o que foi produzido pelos Mesopotâmicos, Sumérios, e Omíadas de antes deste tempo, por exemplo? Além disso, segundo uma pesquisa realizada pelo Pew Research Center (USA), em 2010, os países com maior número de convertidos ao Islã, são Indonésia (13,1%), Índia (11%), Paquistão (10,5%), e Bangladesh (8,5%), respectivamente. Já o Irã (4,5%), por exemplo, aparece em sétimo lugar. Uma perspectiva muito diferente da encontrada nos livros de história da arte. É um exercício difícil desviar de uma perspectiva eurocêntrica, uma vez que, somos ensinados, desde o ensino fundamental ver a Europa como centro do universo, ainda mais para um país como o Brasil, que deixou de ser uma colônia a pouco mais de 500 anos. Em Filosofia da História Universal (1837), por exemplo, Hegel reconhece o oriente como fonte de conhecimento, mas aponta a Europa como o local de ápice do desenvolvimento do pensamento científico. A questão torna-se mais complexa quando estendida para outras áreas de conhecimento.

Parte integral do trabalho do historiador da arte, consiste na análise de objetos. Para um Orientalista, isso significa estudar a história e a cultura de uma civilização em crise. O que abrange a iconografia de mesquitas, madrasas, palácios, cerâmicas, vasos, manuscritos, iluminuras, joias, esculturas e pinturas. Há, também, um problema recorrente em relação à estrutura do “cânone”, organizado da seguinte forma: arquitetura, caligrafia, motivos vegetais e geométricos. Deixando em uma zona periférica uma centena de objetos. Portanto, é preciso deixar claro para os que estão sendo introduzidos a questão: a ‘arte islâmica’ não é anicônica. Ao inferir que não há a representação de imagens, redefinimos a história e a história da arte, um erro grave quando temos tantos acervos de museus à nossa disposição. O bacharelado em História da Arte é um fenômeno recente no Brasil, procurei, neste breve artigo, expor questões que surgiram ao longo da minha formação como historiador da arte e integrante do Laboratório do Mundo Antigo e Medieval (LAMAM/CNPq), como bolsista de Iniciação Cientifica.

 

 

Figura 1: Iluminura Persa século (XV). Representação do Profeta Maomé e Anjo Gabriel no inferno, com Buraq (ser alado descrito na religião do Islã). Na cena o anjo mostra ao Profeta mulheres sendo torturadas por um ser bestial verde. Penduradas pela língua por terem zombado de seus maridos e deixarem suas casas sem permissão.


Bibliografia


GRABAR, O. (1976), What Makes Islamic Art Islamic?, In: ARCHNET: <https://archnet.org/publications/5032>


____________, (1983) Reflection on the Study Islamic Art. In: ARCHNET: <https://archnet.org/publications/5032>


SHALEM, A. (2012), What do we mean when we say ‘islamic art’? A plea for a critical rewriting of the history of the arts of Islam. In: Journal of Art Historiography. 6: 2012 <https://arthistoriography.wordpress.com/number-6-june-2012-2/ >

    

Alexsander Cândido Britto - Lattes

Bacharel em História da Arte pelo Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(IA – UFRGS)

Membro do Laboratório do Mundo Antigo e Medieval (LAMAM/CNPq)

Pesquisador Associado do Laboratório de Estudos da Antiguidade Oriental (LEAO/UFGRS)